quarta-feira, 17/04/2024

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O que podemos aprender com FedEx e UPS e quem vence a batalha das gigantes!

*Por Vasco Oliveira, CEO da nstech

Mesmo tendo feito duas faculdades e um MBA, sempre procurei fazer algum curso formal todo ano, por acreditar que não dá para parar de estudar. Ter entrado no YPO em 2004 me deu acesso a cursos de curta duração muito interessantes. Um deles foi um curso de liderança super interessante chamado Inside.

Nesse curso, em 2012, passamos três dias dentro da FedEx, fazendo visitas, falando com executivos e professores, com foco em liderança, estratégia e operações. Logo antes de ir para o curso, resolvi dar uma lida sobre a companhia para chegar mais “quente” e aproveitei para também me aprofundar na principal concorrente, a UPS.

Uma coisa logo me chamou a atenção: a Fedex faturava US$42 bi e valia US$28 bi à época, enquanto a UPS faturava US$54 bi e valia US$78 bi. Fiquei chocado com a diferença pois era contra intuitivo para mim, pois a FedEx, para nós, era mais conhecida e, por isso, apostaria o contrário. Quem não se lembra do filme “O Náufrago” com Tom Hanks e seu amigo Wilson, no qual ele era um executivo da FedEx?

Fiquei com isso na cabeça e decidi me aprofundar para entender o porquê dessa diferença. Além dos cursos, li livros e artigos sobre as empresas, e indico para quem tiver interesse em se aprofundar os ótimos livros Big Brown sobre a UPS, e Changing How the World Does Business sobre a FedEx. Imperdíveis para quem é do setor ou gosta de histórias de negócio.

Indo direto ao ponto, após muita reflexão seguem minhas humildes conclusões, tentando contribuir para quem pretende montar uma empresa de logística de sucesso (se você é um destes, não deixe de ler o artigo o segredo das melhores do mundo!). Listei três pontos que, a meu ver, estão em ordem de relevância inclusive:

1) Network density — nada é mais importante para uma empresa de logística, no meu ponto de vista. Isso significa que quanto mais clientes parecidos você tiver, maior será o valor gerado para os clientes e o network effect (pode ser segmento, como saúde, e-commerce et; ou perfil de entrega, como B2B caixas marrons até 30 kg, por exemplo). Esse fenômeno vale para empresas de logística e também para marketplaces físicos. Ou o que explica o sucesso de 99 taxis vs Easy Taxi (leiam o livro do meu amigo Paulo Veras), ou por que não é fácil para a Amazon bater por aqui Mercado Livre e Magalu? Minha visão: network density.

Não lembro os números exatos, mas a maior parte do faturamento da UPS vinha dos Estados Unidos (se não me engano cerca de 80% naquele tempo) e, no caso da FedEx, pouco menos da metade vinha de fora dos USA. Ou seja, a UPS tinha muito mais network density nos Estados Unidos, o maior mercado de ambas, o que a levava a ser mais eficiente e a ganhar mais dinheiro.

Sendo assim, se você tem uma empresa de transportes, entre abrir um novo estado/região ou ganhar mais share onde você já está (área e/ou perfil de clientes comuns) foque no segundo como regra geral. Como vários amigos donos de transportadora já me contaram, muitas empresas quebraram querendo virar nacional.

2) Modelo de negócio — tem uma frase que aprendi do jeito mais duro na maior crise da AGV logística, empresa que criei e dirigi, em 2011. Cash is a fact, profit is an opinion (caixa é um fato, lucro uma opinião). Olhando para os números, em 2012, a UPS gerou US$7,2 bi de caixa contra US$4,8 da FedEx. Mas teve que investir em Capex só US$2 bi, contra US$4 da FedEx. Ou seja, não adianta gerar caixa na atividade operacional se você tem que “voltar” tudo ou quase tudo para sustentar o negócio. O fluxo de caixa livre (olhando o mesmo no tempo com foco no longo prazo) é além da taxa de desconto (que não depende majoritariamente da empresa) as únicas variáveis que importam para se definir o valor de um negócio ao final.

Assim, entre colocar dinheiro em caminhão/armazém ou capital de giro, ou focar em melhorar a experiência do cliente através de terceiros, fique sempre com a segunda opção, via de regra.

3) Perfil de clientes — a UPS nasceu em 1907 e cresceu focando em clientes pequenos e médios (PME), sendo a grande empresa de encomendas para este perfil de cliente. Já a FedEx, que nasceu em 1971, ou seja, muito tempo depois, e teve até então o maior cheque de private equity já feito do mundo, precisava entregar resultado e crescimento rápido.

Assim, focou em grandes contas no início. Isso fez com que ela dependesse muito mais do que a UPS de grandes clientes, que por sua vez têm muito mais poder de barganha e achatam as margens. Small is beautiful! Um dos pontos que ficou claro para mim durante o curso foi a tentativa (e não é fácil mudar o DNA) da FedEx de ir atrás dos clientes PME.

É mais lento e mais difícil o início. Mas, podendo, pense numa estratégia para clientes PME para o seu negócio. Uma vez que dá certo, as bases são mais sustentáveis e gera-se mais valor.

4) Unificação de hubs — num negócio de margens apertadas, eficiência operacional é tudo. Naquele momento, a FedEx tinha quatro unidades de negócios, sendo as duas mais importantes Express (capex enorme) e Ground (uma grande empresa de carga fracionada com operação 100% terceirizada com alto retorno sobre o capital). Qual era o problema? Como uma delas tinha a força de trabalho sindicalizada e a outra não, a FedEx relutava em unir os hubs de Express e Ground, pois isso implicaria aumento do custo operacional dada a alta relevância do custo de mão de obra no negócio. Ao ter hubs distintos (não sei como é hoje), a FedEx era menos lucrativa, tinha um ROIC pior, gerava menos caixa.

E, no seu negócio, você está buscando sempre fazer mais com menos ativos? Tem uma estratégia clara para isso?

5) Cultura de engenheiro vs cultura marqueteiro — pelo que aprendi nos livros e conversas, a UPS era uma empresa muito focada na eficiência operacional, com mentalidade de engenheiros. Havia até um jeito certo para abrir a porta e dar a partida no caminhão que economizava tempo. Já a FedEx era uma empresa fundada por um economista, que tinha uma pegada muito forte de marketing. Claramente, também se focava muito em melhoria operacional, mas o estilo de Fred Smith me parecia muito mais voltado para uma pegada comercial do que de eficiência operacional.

Outros pontos – De todos os negócios da Fedex, o que mais crescia com números melhores era o Ground, que era asset light. Assim, minha dica para quem quer gerar valor é: terceirize tudo o que puder. Acredite, dá para terceirizar se você tiver ferramentas, cultura e processos para isso. Muitas empresas de transportes têm sua origem num caminhoneiro que foi crescendo e aumentando a frota. Acredite, é possível atender seus clientes sem ser dono dos ativos. Mas para isso é preciso muito planejamento e investimento em gente e tecnologia.

Conclusões – E qual era minha visão na época? Que a FedEx estava crescendo mais, buscando fechar o gap e que no tempo acabaria se valorizando mais. Hoje, para escrever esse artigo fui analisar os números. Abaixo um resumo:

De fato, a FedEx reduziu o gap em receita (de 28% para 7%) e em Ebitda até superou a UPS. Mas, no final, os fatores que lá atrás identifiquei como sendo os mais relevantes ainda explicam o mesmo gap de market cap entre as duas empresas. Isso sem considerar dividendos e recompras. Não fui atrás mas aposto que pelo modelo de negócio dará uma ampla vantagem à UPS.

Ou seja, se você tivesse colocado US$1 na UPS lá atrás provavelmente ao final com dividendos e recompra estaria em vantagem em relação ao mesmo valor na FedEx. Apesar da FedEx ter melhorado muito em relação à UPS, nestes quase 10 anos a UPS foi provavelmente um melhor investimento. O que não quer fizer que nos próximos 10 a FedEx não possa virar o jogo.

Se você é um transportador, invista em aumentar a densidade da sua rede (transportar para clientes parecidos na mesma região) e em ter uma operação o mais asset light possível. Isso te levará a gerar mais caixa, que no final é o combustível da geração de valor.

Invista esse caixa no seu negócio, sobretudo em gente e tecnologia, que é o que te fará cada vez gerar mais caixa.

*Vasco Oliveira, CEO da plataforma nstech

Formação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Tem MBA pela Fundação Dom Cabral. 22 anos de experiência em logística na AGV Logística, empresa que fundou em 1998 e foi CEO e presidente do Conselho de Administração até 2020. No mesmo ano, juntou-se a Zeca Magalhães, Pedro Faria e Marcelo Lima tornando-se sócio da SK Tarpon. Fundou a Niche Partners, gestora de investimentos focada em líderes de mercado de nicho.

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