quinta-feira, 25/04/2024

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Transformação Digital I: o que importa mais são as pessoas, não as tecnologias

Entrevista Robson Bessa | Diretor de Estratégia e Relações com Investidores da Soluciona Logística

O que é a transformação digital e como se dá sua jornada de adoção e implementação? Há um passo a passo que possa ser seguido por empresas de logística? Atrás dessas respostas, iniciamos uma série de entrevistas, que começa com uma operadora nossa associada, a Soluciona Logística, que, dois anos antes da pandemia, diante da efervescência tecnológica que já se vivia, percebeu que havia necessidade de mais conhecimento (e de repertório) para os novos tempos que estavam vindo. Assim, os próprios donos embarcaram para o Vale do Silício, nos EUA, e foram beber na fonte dos novos conhecimentos que surgiam.

A partir daí, quando a crise provocada pela Covid-19 se instaurou, a Soluciona percebeu que não só a iniciativa havia sido exitosa, como deveria prosseguir nessa trilha de busca por mais conhecimentos, estudos e aprimoramento, trazendo para o corpo diretivo executivos de mercado com o mindset de nova economia. Um deles, Robson Bessa, 40 anos, que passou um ano e meio de especialização na Kellogg School of Management da Northwestern University, nos Estados Unidos, conta, a seguir, alguns dos principais passos de uma jornada de transformação digital – nos quais o grande segredo, e principal desafio, está nas pessoas, e não na tecnologia, como aponta Bessa.

Um caminho sem volta – importam
mais as pessoas do que a tecnologia

O que é a transformação digital?
Quando se fala de transformação digital está-se falando de uma grande mudança da cultura tradicional para um cenário de nova economia, no qual a cultura digital passa a ser um fator competitivo e de diferenciação para empresas e profissionais.

São diversos os fatores que dão relevância a isso, entre eles a fluência digital, caracterizada por tecnologias habilitadoras dessa nova cultura, com destaque para a Inteligência Artificial e suas aplicações.

É um caminho sem volta, pois os desafios que estão sendo impostos aos negócios no século XXI não poderão ser encarados da mesma forma que encaramos os do século XX. O Big Data, que representa um mundo de dados gerados e disponíveis a todo momento, com enorme velocidade e de várias formas e fontes, exige tecnologia e, consequentemente, repertório digital que, inevitavelmente, demanda uma mudança significativa de mindset.

Na verdade, a transformação digital é muito mais relativa às pessoas do que à tecnologia – esta, se você tem, “põe na tomada e ela funciona”, porém, sem as pessoas ao centro e preparadas para entender e lidar com as tecnologias, provavelmente o resultado será mais uma tentativa de transformação digital que não deu certo.

Como assim?
O passo inicial para a transformação digital é trabalhar o repertório das pessoas, que, em última análise, se traduz na cultura. Estudos mundiais indicam um índice de 70% de falhas na implementação de projetos desta natureza. Um destes estudos, de 2018, indica investimentos em nível mundial de cerca de 1,3 bilhão de dólares em iniciativas do gênero, dos quais 900 milhões não surtiram o efeito e retorno desejados.

Percebeu-se então, claramente, que os insucessos estavam intimamente relacionados a questões culturais tais como resistência à mudanças, falta de alinhamento com as estratégias digitais, comunicação ruim, entre outros. As pessoas não foram preparadas para lidar com as mudanças que estão sendo colocadas para as organizações.

O que se viu por esses estudos é que a própria cúpula das empresas não estava preparada. A questão é: a cultura, diferentemente da tecnologia, não se implanta; se vive. E isto pode levar anos para se institucionalizar nas organizações, e é aí que muitas se perdem no meio do caminho. Viver uma cultura em transformação não é tarefa fácil e demanda muita resiliência e quebra de paradigmas da gestão. É como fazer manutenção na turbina de um Boeing em pleno voo.

Um grande desafio é transformar
o Big Data em Small Data

A forma de gestão vai ter de mudar rapidamente…
Sem dúvida. É uma tarefa difícil, mas vai ser preciso passar de um ambiente de muito comando e controle, para um de gestão por contexto, com transparência, autonomia e confiança. Com a necessidade do home office, perdeu-se o controle do tipo, hora que fulano chegou, hora que saiu, o que está fazendo, quando foi almoçar, etc. Isso não tem mais espaço num modelo de economia digital.

É muita informação nova disputando importância com situações que não se sustentam mais, no dia a dia da gestão…
Por certo. Veja o Big Data: geramos muitos dados, e esse é um aspecto importante da transformação digital. Muitas empresas não sabem o que fazer com os dados que podem ser estruturados e não-estruturados. O grande desafio é transformar o Big Data em Small Data, o que gera insights importantes para a gestão do negócio. Tem de minerar tudo isso, para sair no fim do dia uma informação que faça sentido e que permita tomar uma decisão mais assertiva – isso, por exemplo, é um dos pilares de uma Torre de Controle, ou de uma Controladoria.

Torre de Controle, Last mile, há um cardápio enorme para oferecer ao cliente, correto?
Sim, há possibilidades muito amplas para o cliente. A pandemia parou projetos, travou o orçamento e brecou o avanço de novos modelos de negócio com uso de dados e tecnologia. Por outro lado, abriu os olhos do mundo para infinitas possibilidades. Você falou em last mile, e para isso, não há modelo mais inteligente e escalável que o uso de plataforma.

Plataforma faz uso massivo de tecnologia. Pensa no Uber, que tem um modelo de Marketplace, – de um lado estão motoristas, de outro, passageiros. A plataforma está no meio. O setor de logística, por natureza, é muito intensivo em capital, então, como é que você escala? Para isso é preciso muito dinheiro, que, como sabemos, é um recurso escasso e muito caro, especialmente em nosso país.

Então, a forma de se escalar o negócio é pelo uso inteligente de dados e de tecnologia, mas não é simples, não é barato, é questão de buscar repertório, sair da zona de conforto de um modelo de negócio que é super tradicional e botar a cabeça para pensar, e aí é preciso ter em mente uma questão muito importante que é você estar muito próximo do cliente. 

Tão perto do cliente, a ponto de apontar
problema que ele nem sabe que tem

De que forma, por exemplo?
Estamos evoluindo no mapeamento da jornada de quem nos contrata para entender bem os pontos de contato do cliente com a marca, e dentro de cada um desses pontos de contato ver as situações que necessitam de ajustes, os pain points, para eliminar atritos e propiciar a ele uma experiência mais fluida, e que aumente seu engajamento e, consequentemente, eleve seu LTV (Lifetime Value).

Iniciativas de Transformação Digital só fazem sentido se chegarem na ponta, na experiência do cliente, pois, ao final do dia, é de lá que capturaremos parte do valor que criamos e é de lá que tiraremos o retorno desses investimentos. E isso tem muito a ver com trabalhar a transformação das pessoas, começando, especialmente, pela cúpula da organização. Muitos ainda não perceberam isso.

Ficar perto do cliente de uma forma especialíssima, é isso?
Exatamente. Steve Jobs tinha uma frase icônica, que dizia: “Esteja tão próximo de seu cliente, a ponto de dizer a ele sobre um problema que ele nem sabe que tem”. Aí ele veio com o Iphone, em 2007, que mudou o mundo. Se você perguntasse lá no Fordismo, o que o cliente queria, ele poderia falar que queria um cavalo mais rápido. Ao invés do cavalo, Ford mostrou quatro rodas que podiam andar bem mais célere. Era uma inovação.

Hoje é a mesma coisa: se você perguntar ao cliente o que ele quer, vai ouvir como resposta aquilo que dói nele, o que muitas vezes é a ponta do iceberg – o que está para baixo ele não enxerga. Por isso, técnicas de design thinking, inovação, pensamento lateral, entre outras metodologias, servem para você extrair do cliente coisas que ele não sabe que tem.

Ter foco no cliente é descobrir coisas que ele não sabe que possui – bem como, muitas vezes, concluir que as dores dele podem ser efeito, não causa. Foi isso o que Jobs quis dizer com essa frase. Tem muito potencial de agregação de valor escondido aí.

E se o cliente não perceber?
O papel dele é crucial. De nada adianta você ter a melhor Inteligência Artificial, e pessoas brilhantes no time, se nada disso chegar ao cliente, se ele não perceber valor. Uri Levine, o criador do Waze, fala o seguinte: “Apaixone-se pelo problema, e não pelo produto, porque o problema tende a ser mais perene, enquanto a solução pode mudar.

O problema da humanidade era se locomover, o produto naquela época era o cavalo, que passou a ser charrete, depois carro e agora vai ser um veículo autônomo. Até que venha outra disrupção – mas o problema persiste, pois o mundo precisa se movimentar.

O grande problema é só focar no produto, focar em querer vender algo e não focar em resolver o problema. Essa equação a transformação digital ajuda a solucionar, pois colocamos novas lentes para enxergar coisas que até então não víamos, pelo menos não da mesma forma, não com o mesmo repertório, não com o mesmo mindset.

Voltando às pessoas, está havendo um apagão de mão de obra?
Vivemos um apagão generalizado de mão de obra, e não está sendo só na área de tecnologia. Quando se olha para outras profissões, também se enxerga um apagão ao considerarmos um perfil da nova economia, que é a grande busca das organizações atualmente – achar, por exemplo, um contador, um administrador, um psicólogo, um engenheiro, e por aí vai, que conheça minimamente de tecnologia, de marketing, jornada e experiência do cliente, novos modelos de negócios, processo de inovação, agilidade, que possua habilidades para lidar com dados, que são destrezas requeridas pela economia digital.

Percebe-se que é muito raro achar, ou seja, o apagão é grande. Em geral, você tem profissionais que dominam bem suas áreas, mas falta repertório, aptidão em relação ao novo momento. Esse perfil mais técnico e especializado é necessário, porém não suficiente.

Colocar pessoas no home office não foi
transformação digital. Era o office na home

E, como, então, dar o repertório para esses colaboradores?
Insistindo, não desistindo. É trabalho de formiguinha, como disse, não é algo que se implante, é algo que se vive. Dessa forma, há que se criar situações de gestão, provocar as pessoas com questões de valores e propósitos da organização, convocar reuniões multifuncionais de discussão.

Por outro lado, dar a esse contingente espaço e liberdade para que se expresse, mostre as aptidões e talentos natos. Essa é, na essência, também uma característica da transformação digital – dar espaço, voz, vez, protagonismo.

Dar senso genuíno de pertencimento na criação de novas soluções. Propiciar um ambiente de segurança psicológica ao colaborador que o permita experimentar, testar, errar e aprender. É enxergar a falha não como um simples erro, mas como uma forma empírica e dinâmica de aprender algo que não funciona.

A forma como nos posicionamos no presente
é que nos conduzirá a um futuro sustentável

Como a Soluciona entra em 2022?
Avalio que muito bem. Estamos concluindo a implantação do SAP, e de um TMS novo, bem como finalizando uma política de home office, agora bem estruturada, porque colocar todo mundo no Zoom do dia para a noite não foi transformação digital, mas uma estratégia de sobrevivência, apesar de importantíssima, naquele momento.

Não era um home office, mas sim um office que foi para a home. Estamos também evoluindo fortemente na retomada de projetos de inovação relevantes e, de certa forma disruptivos, ao setor. Coisas que tivemos que segurar em função da pandemia, mas que agora fazem ainda mais sentido para nossos clientes e, consequentemente, para nós.

A logística é um setor tradicional, onde todos sempre tiveram de estar lá, na linha de frente. Como fica o home office?
Vai ser uma quebra importante de paradigma. Aqui na Soluciona já temos esse mindset no DNA, e nutrimos cada vez mais essa cultura. Há um posicionamento muito forte de marca, os clientes já nos conhecem e nos percebem com esse perfil de inovação, e estamos aproveitando isso.

Particulamente em relação ao home office, devemos seguir num modelo híbrido, em que o contexto de autonomia e confiança, conjugado com metas muito bem definidas e gerenciadas, é imperativo para atingirmos nossos objetivos estratégicos e, principalmente, atender bem aos nossos clientes. Isso conversa muito com nossa cultura.

E as ações profundamente inovadoras, como estão?
Temos algumas coisas interessantes e importantes em nossa esteira de inovação e que estão sendo desenvolvidas em nosso pilar de inovação, o Soluciona Lab. Por exemplo, nossa estratégia de criação de uma estrutura robusta de back office conta com robotização de processos rotineiros e manuais, associados à implantação do nosso novo ERP, o SAP.

Implantamos também melhorias em nossa Torre de Controle, fazendo uso de algoritmos de Inteligência Artificial e Big Data. Estamos avançando muito rapidamente na concepção de novos modelos de negócio, que demandam uso massivo de tecnologia.

Já se chegou a um estágio de grande maturidade?
Sim. Estamos ganhando muita maturidade no uso inteligente de dados, fazendo mineração de uma forma diferente, que vai gerar resultados e insights importantes para o negócio, e que se traduz em valor agregado aos nossos clientes. A sustentabilidade está na agenda de todo CEO, e, em especial, de nossos clientes. Disseminar e promover ações em linha com a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) deixou de ser um diferencial competitivo e já se tornou uma questão de sobrevivência para as organizações no longo prazo.

A forma como nos posicionamos no presente é o que nos conduzirá a um futuro sustentável – e isso está no nosso DNA há muito tempo. É assim que o mundo enxerga, é assim que nossos clientes enxergam, e é assim que nos posicionamos: a inovação é não só parte integrante desse contexto, mas um grande habilitador dessa transformação.

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