Gerda Häring
Neste artigo busco mostrar quão importante é que tenhamos uma visão muito mais ampliada para nossas previsões. Logística é integração, ela une atividades diversas e as coloca em cadeias, agregando-lhes valor; para compreender as conexões que a logística é capaz de fazer e seus desdobramentos em diversas cadeias de valor, carecemos de um pensar mais sistêmico do que temos demonstrado até aqui, precisamos verificas os fluxos integrais e suas interseções, averiguar como ocorrem, de onde vêm, como se inter-relacionam. Há necessidade de levantar, e, enfrentar de fato, que o aprendizado dos entrelaces socioeconômicos não pode mais esperar para se concretizar.
Hoje o Brasil procura meios para se levantar em meio um turbilhão de situações econômicas das mais graves que já experimentou. Os consumidores desapareceram, a instabilidade financeira cuidou não apenas de elevar a taxa de desemprego, mas também fez das exportações algo muito mais difícil do que já vinha se tornando nos últimos onze anos.
Pior ainda, não bastando a indústria brasileira ter perdido o fôlego durante a corrida contra os produtos chineses, estes produtos, estrategicamente escolhidos nas terceira, quarta e quinta linhas da produção do Tigre Asiático, foram incentivados à venda e ao consumo exaustivo no país, mesmo com a falência de quase todas as instituições oficiais do país, notadamente aquelas que deveriam dar suporte e oferecer infraestrutura para o funcionamento e sobrevivência das cadeias de suprimento.
A chegada de notícias internacionais colocando os mercados a par da derrocada da Petrobras, talvez tenha sido, ainda que muito penosa, a única forma de despertar-nos a todos os que acreditamos nas maravilhas que a “economia criativa” e muito “fantasiosa” expunha ao desenrolar de pouco mais de uma década.
Agora muitos, tanto industriais, quanto comerciantes, empresários e trabalhadores, estudantes órfãos de programas protecionistas ainda se espremem, sem chances de chegar ao balcão dos caixas, na porta giratória dos bancos aos quais devem agora vultosas somas. Idem acontece com trabalhadores, empresários, servidores públicos, donas de casa, operários, comerciários, enfim a hora é de nos debatermos e pagarmos o alto preço da extinção da indústria, da não disponibilização de infraestrutura, da quebra e falta de observância de uma das importantes premissas da logística.
Os Marcos Legais foram aviltados e toda a perspectiva das empresas de transporte, de armazenamento, de despacho e capatazia para exportação, shopping centers, marcas renomadas, supermercados, o agronegócio, universidades bem alicerçadas…todos, viram ruir a alvorada brasileira. Inclusive o resto do longínquo mundo que está além da outrora glamorosa Venezuela, da Bolívia e da pequena revolucionária Cuba.
A ilha pertencente à Aliança Bolivariana das Américas, em detrimento do Rio de Janeiro, de Salvador, de Santos e tantas outras cidades portuárias brasileiras foi agraciada com um porto quase tão belo quanto sua privilegiada posição geográfica, a construção deste imenso empreendimento logístico é um trunfo para que possa receber grandes lucros na área de comércio internacional, área na qual o Brasil permanece ainda com grandes lacunas, pobre que é de boas e eficazes instalações portuárias, dificuldades para manter e impossibilidade financeira para modernizar seus próprios portos.
A logística para suas atividades demanda organização, planejamento, controles estratégicos, táticos e operacionais. Ainda, transparência, educação, implementação de conhecimento dedicado em cada um de seus níveis; também carece de seus marcos legais, medidas regulatórias necessitam ser entendidas, internalizadas, processadas e obedecidas; há uma documentação e uma hierarquia. O s fluxos que mantém o sistema em funcionamento precisam estar integrados.
Os marcos legais devem ser respeitados, para isso a emissão de notas fiscais de toda a documentação deve espelhar os conteúdos, as especificações. Caso contrário, se um único dos marcos regulatórios for desrespeitado, o cliente não será atendido. Em decorrência disso os níveis de serviços medidos nos KPIs serão insatisfatórios e isso ocasionará uma possível parada do sistema para alinhamento da operação às diretrizes estratégicas.
A premissa básica da logística e que mantém em operação as cadeias de suprimento nos diz que “…produto certo, no local certo, na quantidade certa, na condição certa, no prazo acordado e a preço justo…” foi assim que Ronald Ballou escreveu em seu livro Logística empresarial em 2008.
O que será necessário para cumprirmos isto?
Qualificação profissional, sem dúvida! Mas funcionará para tirar o Brasil da péssima posição comercial e produtiva em que se encontra? O país deveria possivelmente ter continuado no rumo que estava até 2003, mas não houve perseverança. Não aceitou o desafio de integrar atitudes políticas, econômicas e menos ainda sociais.
A realidade brasileira são vias aéreas, terrestres e marítimas sucateadas e ultrapassadas, na contramão do comercio internacional. Não foram feitos novos acordos e houve gestos que apontavam para acentuado desinteresse na manutenção dos portos internacionais como capitaneadores que são do comércio internacional.
O país que, conforme apregoado internacionalmente nos últimos anos, deverá ser o “celeiro do mundo” tem sérios problemas de escoamento de produção agrícola. Forte exemplo disso é o agronegócio do Estado Nordestino do Maranhão que tem ótimas lavouras de soja com produtividade muito boa, mas, enfrenta todo o tipo de dificuldades para fazer a distribuição de seu excelente produto. Problema que segundo Caixeta Filho tem localização conhecida, e, esta é a infraestrutura de distribuição com seu transporte e vias de rodagem que impedem o avanço da competitividade brasileira; fato que prenunciou as deficiências sociais e os problemas ambientais que se instalaram.
A tabela elaborada pela Associação de Exportadores de Cereais (ANEC), é exemplo da falta de competitividade da soja Brasileira devido às grandes distâncias que o produto percorre e ressalta também, a distância média que separa o produto do porto.
Fazendo a comparação entre a utilização de vias terrestres e a hidrovia, embora a Argentina faça maior utilização do modo rodoviário, a distância em quilômetros que seus produtos percorrem até o porto é menor que a dos produtos Brasileiros. Outra comparação interessante que a tabela da ANEC proporciona é o percentual de utilização das rodovias Norte Americanas e Brasileiras, os EUA (Estados Unidos da América) não transportam sequer 30% de seus bens totais pelo modo rodoviário enquanto o Brasil utiliza esse modo para transportar mais de dois terços de seus produtos. Deve-se levar aqui em consideração ainda, o precário estado das rodovias locais que de forma alguma podem ser comparadas às Norte Americanas ou mesmo às argentinas.
Para que se compreenda melhor, é necessário especificar algumas graves deficiências brasileiras em logística.
Em 25 de novembro de 2011, a AMCHAM (Câmara Americana de Comércio Brasil Estados Unidos), publicou interessante matéria em seu site. Dentre as personalidades citadas e suas falas, chama atenção a de Reinhold Stephanes, que era na época deputado federal, mas, entre 2007 e 2011 foi ministro da agricultura. Ele afirmou não haver no Brasil qualquer plano para escoamento de safras, pois, o governo não tinha estratégias traçadas nesse sentido. O então deputado Reinhold Stephanes afirmou ainda ser “A infraestrutura logística […] questão básica é fundamental. ” O deputado fora, anteriormente, entre 2007 e 2010, ministro da agricultura.
O custo de um país é calculado segundo alguns fatores conclusivos para fomentar ou deprimir seus indicadores de produtividade e que impactam diretamente nos lucros das empresas e do próprio país consequentemente. Canzian, em 2005, escreveu que as indústrias do ramo farmacêutico já estavam sofrendo com dificuldades impostas pelo custo Brasil que tem na logística e na alta carga tributária brasileiras dois de seus maiores vilões.
Na reportagem escrita para a Folha de São Paulo, em 30 de janeiro de 2005, ele contou com entrevista do então diretor da Merk, Sharp e Dohme do Brasil onde o mesmo lhe deu as seguintes informações: “Hoje é mais barato trazer o medicamento pronto de fora do que fabricá-lo aqui. Há outros custos envolvidos, mas os impostos são determinantes. ”
O custo Brasil não foi debelado ao longo dos anos e hoje o país paga muito caro por este erro.
“[…] na contramão da sua necessidade, o Brasil vem registrando um crescimento na participação do modal rodoviário na matriz de transportes e o aumento no preço de frete devido ao crescimento da demanda em relação à oferta. ” Lima, Maurício, 2014, ILOS. Custos logísticos no Brasil.
Dentro da equação que compõe o custo Brasil estão os custos logísticos. Eles somam segundo Pianegonda, 12,7% do PIB, esse percentual até o ano 2014, significava o valor de R$ 749 bilhões, atualizando pelo o câmbio de conversão comercial do site Valor Econômico de 17 de dezembro de 2016, 1U$ = R$ 3,3897, representa U$ 220.263.507.095,02; caso não representasse o valor de uma perda, seriam cifras muito interessantes. Enquanto isso nos EUA, os custos logísticos afetam o PIB em menos 5,1% do que ocorre no Brasil.
Ainda, segundo Pianegonda, o maior peso dos custos logísticos se encontra na área de transportes que consome 6,8%, seguida pela armazenagem (0,9%) e por último o administrativo (0,5%). É preciso entender que no que tange ao transporte, os equipamentos são de altos custos de aquisição e manutenção. São necessárias áreas muito grandes para a guarda e manutenção dos veículos e as vias de rodagem consomem boa parte do que significa o custo logístico, pois, a falta de conservação adequada das estradas custa ainda mais caro do que a sua manutenção propriamente dita.
Na figura acima é possível visualizar os percentuais do PIB acumulados e compará-los desde 2010 até os dois primeiros trimestres de 2016.
Luiz Fayet, que é consultor para logística e infraestrutura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), membro da Câmara de Infraestrutura e Logística do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil, professor universitário, industrial e economista, em 2014, comentou ao periódico Maranhão Hoje sobre a capacidade brasileira de embarque de grãos que esta é deficitária em 64 milhões de toneladas; segundo Fayet, “Se continuarmos com essa velocidade produtiva sem melhorias em nossos transportes, principalmente nos portos, vamos ter todo esse potencial jogado fora. […]. Não escoamos nossa produção pelas rotas mais racionais, […] Arco Norte – portos de São Luís, Belém, Macapá, Santarém e Itacoatiara. Nossa produção rola rumo aos portos do Sul e do Sudeste”.
É perceptível a preocupação dos especialistas, produtores agrícolas e da indústria em geral com os impactos que aqui estão evidenciados. Isto porque não é possível deixar de notar que as cadeias produtivas são sustentadas no país por uma logística sem apoio infraestrutural e cujos resultados ainda que analisados individualmente estão entrelaçados, bem como os elos das cadeias de suprimentos; ou seja, é a logística sofrendo a falta de visão logística.
É preciso que o Brasil entre na nova era. A tecnologia da informação (TI) trouxe abalos inegáveis, hoje já há drones e robôs atuando precisamente, tornando os serviços e operações mais baratos, mais rápidos, mais eficientes, tensionando e distensionando os elos de tal maneira que a logística se aprimora, elevando os KPIs, mantém as cadeias mais enxutas e menos suscetíveis às rupturas desnecessárias, e, que encarecem o produto final, e, diminuem os níveis de satisfação dos clientes.
Segundo Daskin a logística hoje é; “[…] concepção, gestão e exploração dos sistemas físicos, financeiros e informativos necessários para antecipar e satisfazer as necessidades dos clientes através da entrega oportuna, eficiente e conforme acordada. ” Daskin, 1985.
Daskin reapresentou esta definição de logística em 2014 na Universidade de Michigan, até hoje 22 anos se passaram desde que escreveu “Logistics: An overview of state of the art and perspectives on future research”, o mundo mudou, evoluiu muito, entretanto no Brasil, apesar de planos variados para melhorar as condições de entregas, transportes, armazenagem, de operacionalização e da produtividade, ainda não se vê uma verdadeira inteligência logística desenvolvida ao ponto de poder transformar entregas em resultados de gestão, concepção ou de exploração de sistemas; falta o pensamento sistêmico, falta a sistemática nos planos; falta lembrar que a tecnologia da informação é atrelada à logística e que juntas tudo mudam.
Para dominar, usar a TI, usufruir dos benefícios da TI, faz-se necessário gerir com responsabilidade, pensando no todo, compreendendo as dimensões das cadeias de suprimentos; romper com o que estava estabelecido e ampliar a visão. Logística é entrega de resultados transparentes e calculáveis, uma área prática do conhecimento humano visceral, no Brasil em estágio ainda embrionário, carente de vontade e transparência, isso obscurece até o conhecimento, aumenta custos, entrega insatisfação. Gera atrasos não apenas nas entregas, mas, no desenvolvimento de cada cidadão, e, isso traz outros custos ainda maiores. É imperioso acionar e trabalhar na alavancagem de mudanças, mudanças não corruptíveis e eficazes. Gerda Häring é professor e criador do site Logisticativa.com